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A banalidade do mal, a insanidade da guerra

A banalidade do mal, a insanidade da guerra

Segundo título da Editora Nós, o inédito Apocalipse nau, escrito e ilustrado por Eloar Guazzelli, traduz numa intrigante história em quadrinhos o impacto que teve sobre o autor o ataque ao jornal francês Charlie Hebdo, ocorrido em janeiro de 2015, no qual foram assassinados alguns dos principais cartunistas franceses. “Há um famoso texto do professor Antonio Candido em que ele fala do papel do crítico literário e da coragem que esse crítico precisa ter para ler e avalizar uma determinada obra no calor da hora, quando ela acabou de ser feita, quando não se tem a segurança de que se trata de um livro que vai ficar para a história. Editar Apocalipse nau foi assumir esse risco. Ousar editar uma história feita no aqui-agora da dor, do espanto. Como tal, o livro tem essa natureza pulsante do ‘tempo presente, dos homens presentes, da vida presente’, como disse um grande poeta”, enfatiza Simone Paulino, criadora e diretora editorial da Nós.

Mestre em HQs, Guazzelli apresenta desta vez não uma adaptação literária, mas uma história essencialmente autoral e autobiográfica. O livro é divido em capítulos que não têm uma sequência narrativa, são crônicas que, juntas, compõem uma unidade do ponto de vista do autor, que rememora fatos de sua história de vida – como a passagem marcante pelo Rio de Janeiro abalou a sua crença; a descoberta das atrocidades da ditadura às escondidas ouvindo o relato do pai, que era advogado de presos políticos; a importância do cinema; o questionamento do quê e para quem se escreve; a praia como cenário de autorreflexão; o conflito analógico-digital por meio da retenção de cartas com a história da família; o ataque ao Charlie Hebdo que levou dele um colega. E, o tempo todo, o autor recai numa reflexão metalinguística – sobre quadrinhos, o ato de desenhar, o próprio livro em si sobre o qual o leitor se debruça.

O conceito da obra se materializa para esse mesmo leitor não apenas por meio de palavras e imagens, mas também pelo projeto gráfico. A fragmentação da narrativa e a dilaceração das crenças se traduzem aqui num livro sem capa, com lombada exposta e envolto por uma sobrecapa que se transforma num cartaz que nada mais é do que um manifesto do autor. Nas páginas internas, a cor vermelha é soberana e salta aos olhos provocando certo incômodo pela primazia.

“Este título e o primeiro lançamento da Nós, Eu sou favela, entoam juntos, de forma uníssona, um forte ‘Je suis’ – ‘Je suis Charlie’, ‘Je suis favela’ –, compondo um manifesto de ‘eus’ por meio dos quais expressamos o posicionamento Editora”, afirma Simone.